sábado, 5 de setembro de 2009

Estirpe

Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada. Sabem que é inútil e exaustivo. Deixam-se estar. Deixam-se estar.Deixam-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de completa coragem,longe do corpo que fica em qualquer lugar.Entretêm-se a estender a vida pelo pensamento.Se alguém falar, sua voz foge como um pássaro que cai.E é de tal modo imprevista, desnecessária e surpreendenteque, para a ouvirem bem, talvez gemessem algum ai. Oh! não gemiam, não... Os mendigos maiores são todos estóicos.Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo felizmas não querem que, do outro lado, tenham notícia da estranha sorteque anda por eles como um rio num país. Os mendigos maiores vivem fora da vida: fizeram-se excluídos.Abriram sonos e silencios e espaços nus, em redor de si.Tem seu reino vazio, de altas estrelas que não cobiçam.Seu olhar não olha mais, e sua boca não chama nem ri. E seu corpo não sofre nem goza. E sua mão não toma nem pede.E seu coração é uma coisa que, se existiu, já esqueceu.
Ah! os mendigos são um povo que se vai convertendo em pedra.
Esse povo é que é o meu.

Cecília Meireles

sábado, 29 de agosto de 2009

Sonhos, desencontros, expectativas, amores e desilusões. Quantos caminhos errantes são necessários para alguém abandonar suas cidades, fragmentar suas famílias, incendiar as pontes de sua sanidade e nunca tentar retornar do abandono das ruas? O fotojornalista Severino Silva tem uma longa trajetória de compromisso com as questões sociais desde sua chegada ao Rio de Janeiro, vindo de Pirpirituba, na Paraíba, no ano de 1970. E, através da fotografia, ele constrói dia a dia uma rede de relacionamentos nas ruas da cidade, através dos seus anônimos habitantes sem um lar definido.É com a tarefa de fotografar esses moradores de rua que ele retorna alguns dias depois para contrabandear um pouco de dignidade, um remédio que eles precisam, um pouco de água ou alguma comida para entregar naquele momento. E sempre retorna com aquela foto em papel 10 x 15, revelada ali, nos laboratórios do centro, fazendo muito, contando pouco, falando quase que nada para ninguém. Esse é o seu segredo: nas ruas do Centro, da Lapa ao Flamengo, Severo é conhecido, respeitado e querido por essa população de rua que ele anonimamente insiste em fotografar.Este blog é uma tentativa de reencontrar essas pessoas com seus familiares que um dia os perderam para as ruas. São imagens urbanas, são testemunhos realizados por um dos maiores fotojornalistas que trabalha em nosso país. Se a fotografia é um elemento de transformação social, Severino Silva é uma das maiores ferramentas desse processo.

Guillermo Planel R.